Um conto de Dam L. Barros.
Se me olhares nos olhos, verás que já não pertenço a
mim mesmo.
Ontem eu era livre. Hoje, de ti, sou cativo.
JOCA CIPRIANO.
Todos os dias ele saía para caçar.
Havia na sua aparência vulgar, uma urgência expedita, uma expressão um tanto
chã e vã. Há homens que se movem nas sombras – estes são os mais perigosos. Há
homens que se movem na claridade – e mesmo assim, não deixam de representar
perigo. Mas há aqueles, que mesmo em meio à claridade, possuem uma atitude
discreta. Estes quase não se movem e quando o fazem, quase ninguém os percebe.
São como sombras indistintas que refletem feixes de luz e se dissipam na
“eternidade” de um segundo.
Mas o homem seguia a pé, o passo
miúdo e apressado, o ruído dos chinelos sobre a estrada poeirenta e sinuosa,
margeada pelo mato. Ele saía depois do meio-dia, com o sol a pino. Trazia na
mão direita a velha espingarda e na mão esquerda um cantil, sem falar na capanga
a tiracolo, contendo munições e outros apetrechos. Voltava depois do
pôr-do-sol, a expressão da derrota estampada no rosto, as mãos abanando, o
corpo cansado, a alma vazia.
***
Outro dia eu o vi passar por mim no
seu andar diligente e difuso, e sua expressão havia mudado. Um sorriso íntimo
de satisfação parecia dançar-lhe nos lábios e conferia-lhe, um certo ar
invulgar. O que mais me impressionou foi a total revolução na sua forma de se
mover, no andar seguro, na firmeza do seu olhar e na inclinação quase imperceptível
da cabeça ao cumprimentar-me. Na mão direita, já não trazia uma espingarda, mas
sim, um caderno, e a mão esquerda, esta descansava, enfiada no bolso da calça.
A mochila a tiracolo, estava de livros, cheia.
Ele saía depois do meio-dia, com o
sol a pino e voltava antes do pôr-do-sol. Ainda de mãos abanando. O corpo
cansado. Mas, a alma cheia.
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