Em
Foco – Dam L. Barros.
O
CRIADOR ESTÁ MORTO
Entrevista por Mira
Cruz, da Estaca Zero.
Numa
conversa fictícia, descontraída, exclusiva, original e inédita, onde um aspirante a escritor e roteirista, é
entrevistado por uma de suas personagens, Barros conta tudo sobre Navarro, o roteiro que escreveu já há algum tempo,
mas ainda não teve coragem de apresentá-lo a um produtor. Este sujeito
baixinho, de voz áspera e quase inaudível, de temperamento inquieto e gestos
nervosos, reflete nas suas expressões o passado duro e sem nenhuma expectativa
que norteou sua vida ao longo de todos esses anos. Barros foi office-boy aos 16, vendedor “frustrado”
aos 20, peão de obra aos 22 e por último foi cabreiro. Hoje, aos 40 anos, é só
o idiota da família “Barros”.
“Qual
é a trama de Navarro?”
Basicamente, é sobre um
escritor de histórias policiais, encontrado morto no seu apartamento com um
tiro no ouvido. Todos os indícios apontam suicídio. A polícia diz que foi
suicídio. Mas, um de seus personagens, o detetive Nick Navarro, desconfia que
seu criador, de fato, foi assassinado e resolve investigar o caso.
“Quer
dizer então, que o detetive Nick Navarro, emerge da ficção para um contexto
realista?”
Sim. Na verdade, são
duas narrativas intercaladas, que se passam em cidades diferentes e épocas
distintas.
“Sei.
É um filme dentro do filme?”
Isso mesmo! A primeira
narrativa enfoca o cotidiano carioca dos ebulientes anos 80 e acompanha os
últimos passos de Ruy Diaz, o escritor. Diaz, escreve livros que ninguém lê, e
nas horas vagas, dirige filmes pornográficos. Ao ser encontrado morto no seu
apartamento, num caso de aparente suicídio, entra em cena o detetive Nick
Navarro, que suspeita que o seu criador foi assassinado.
“Perdoe
minha intromissão, mas quem confundiria assassinato com suicídio?”
Por aqui, isso é
bastante comum. Há casos que aparentam assassinato, mas a polícia diz que é
suicídio, e corrobora tal afirmação com dados imprecisos e pistas
inconclusivas.
“Mas
voltando a Navarro...”
No caso, a cena teria
sido forjada para parecer suicídio. Neste ponto da história, Nick se transfere
para o mundo do escritor, conquista a namorada deste – uma bela e jovem atriz
pornô, no caso, você, com 25 aninhos à época – enquanto empreende sua busca
desenfreada pelo assassino, tentando entender as motivações do crime.
“É
algo bastante interessante. O que motiva uma pessoa a cometer um crime?”
É esse o cerne da
questão. No caso de Navarro, a pergunta que não quer calar e que o atormenta ao
longo da investigação é: Quem em sã consciência mataria um escritor medíocre e
frustrado?
“E
a outra narrativa?”
A outra narrativa é
ambientada na Nova Iorque dos anos 40 e põe em foco o próprio detetive Nick Navarro,
que ao investigar um caso banal de adultério, envolve-se amorosamente com a
cliente que o contratou.
“Isso
normalmente não acaba bem. Juntar o profissional e o pessoal é uma mistura
quase sempre explosiva”
No caso de Nick e
Bette, a cliente que o contratou e que se tornou sua amante, a paixão
desenfreada entre eles vai conduzí-los a uma cilada, onde um trágico desfecho os espera.
“Paixões
tórridas são um atrativo a mais nos filmes policiais. É um filme policial?”
Sim, é um filme
policial. Na verdade dois – o primeiro é um policial moderno com toques de
humor e o segundo é um típico film noir. Mas neles, a violência é simbólica e o
sexo é apenas sugerido.
“Como
assim?”
É que tudo aquilo que
você torna explícito, causa um impacto tremendo, mas o efeito deste impacto
inicial se dilui rapidamente. Agora, se ao contrário, você sugere, insinua e
apoia a narrativa em nuanças e significações vagas e misteriosas, então o
interesse vai durar o tempo todo.
(continua)
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