Resenha
Crítica
By Eldam de Sousa
Barros.
Assis, Machado de, A
Cartomante, in: Contos, L&PM
editores, Porto Alegre, RS, 1ª. edição, maio de 1998.
RESUMO DA OBRA.
Um
triângulo amoroso onde a soma dos quadrados dos catetos
não é igual à soma do quadrado da hipotenusa, pois a ideia do adultério como
crime e da morte como punição está inserida no corpo de história, quebrando as
estruturas desse triângulo. Em suma, Camilo e Vilela representam os extremos
dessa relação que convergem para um único ponto, que é a bela e sonsa Rita.
Amigos
desde a mais tenra infância, os dois seguem caminhos diferentes no campo
profissional. Vilela torna-se magistrado e Camilo, funcionário público. Vilela
casa-se com Rita, mas a morte da mãe de Camilo, termina por reaproximá-los.
Trazido ao convívio familiar do casal, o moço enamora-se de Rita e é
correspondido. Esse amor idílico transcorre de forma tranquila, sem sobressaltos
e sustos. Camilo e Rita eram como almas gêmeas. Liam os mesmos livros, iam
juntos a teatros e passeios. Mas de uma hora para outra, ele passa a receber cartas
que o acusam de adúltero e ameaçam fazer ruir esse castelo de cartas marcadas.
Desconfiado e temeroso, decide diminuir suas visitas ao casal. Rita, porém,
resolve consultar uma cartomante para saber se Camilo ainda a ama.
A
partir deste ponto, a figura da cartomante passa a nortear os múltiplos
caminhos que esta relação a três sugere, dentro do contexto que une ficção e
realidade no ângulo onde aquilo que está sendo narrado e aquilo que é comum e
corriqueiro no cotidiano do leitor se tocam. Pois, a mulher que diz prever o
futuro, é na verdade uma embusteira, que vaticina diante de seus clientes, o
que eles querem ouvir, num jogo de dissimulação e mentiras que se coadunam numa
ideia falsa do caráter da mulher que se diz capaz de adivinhar o futuro.
Ao
tomar conhecimento de que Rita consultara uma vidente para saber do amor que
ele sentia por ela, Camilo a repreende e ri da sua credulidade. Rita usa de
todos os argumentos que possui para convencê-lo do contrário, mas o amante se
mostra irredutível em acreditar nas previsões da embusteira.
Vilela,
o vértice indesejado deste triângulo amoroso não tem tempo para consultar
cartomantes e embusteiros. Seu tempo é todo empenhado na dedicação ao trabalho.
Mas de uma hora para outra, seu
comportamento muda, ele passa a ficar desconfiado e se mostra frio e distante
em relação à sua mulher, e principalmente em relação ao amigo. Rita percebe
essa mudança de comportamento e prevenida, adverte o amante.
Quando
pois, Camilo recebe um mensageiro trazendo uma carta de Vilela, ele estremece.
Ao ler a carta, suas previsões se confirmam. O amigo pede que ele compareça à
sua casa sem demora, pois tem um assunto sério a tratar. O jovem moço se enche
de medo e pavor. Teria o marido traído descoberto tudo, e o assunto a que se
referia, não seria nada mais que um acerto de contas? Ele se pergunta e se
perde em meio a um mar de dúvidas e conjeturas. Mas consegue controlar os
nervos e de forma ponderada resolve ir ao encontro do seu destino. No caminho,
seu espírito se inclina à ideia de consultar a mesma cartomante que Rita. A
mulher se mostra perspicaz e consegue com a sua lábia, envolver o cliente.
Camilo se rende diante da predição de que ele e sua Rita vão ser felizes para
sempre.
Aliviado
de suas preocupações e esvaziado de seus medos, Camilo segue alegre para
encontrar o amigo. Ao chegar à casa
deVilela, bate à porta e espera. Ele sente-se leve e feliz. O próprio Vilela
abre-lhe a porta, mas Camilo nota-lhe uma alteração no rosto. O amigo parece
transtornado e mostra frieza ao convidá-lo para entrar. Camilo entra, e após o
outro fazer-lhe sinal, seguem para uma saleta interior, onde o que ele vê ao adentrar à sala o deixa
paralisado. Sua bela Rita jaz ensanguentada sobre o canapé. Vilela o agarra
pela gola e joga contra a parede. E com dois tiros o mata.
CONSIDERAÇÕES DO RESENHISTA.
O
conto A Cartomante é um dos pontos altos da obra machadiana. Nele, narra-se de
forma simples, clara e concisa, o desenrolar de um triângulo amoroso onde o
desfecho trágico vem pontuar a pureza de estilo e o domínio da arte que
espelham o trabalho de um mestre. Poder-se-ia afirmar, sem prejuízo à obra de
um dos maiores escritores da língua portuguesa, que o Machado contista é quase
melhor do que o Machado romancista. Autor de romances célebres como Memórias Póstumas de Brás Cubas, Quincas
Borbas e Dom Casmurro, que o elevaram ao patamar dos grandes mestres da
literatura, Joaquim Maria Machado de Assis também escreveu peças de teatro e no
início de sua produção literária foi poeta. Mas seus contos, assim como seus
romances são mais representativos do seu ofício de ficcionista maior. Contos
como A Causa Secreta, Esses Braços, Missa do Galo e A Cartomante, traduzem a
essência da obra machadiana. Faz-se mister ressaltar, que Machado de Assis é
quase uma unanimidade entre escritores, leitores e estudiosos da arte literária
e muitos o consideram o maior escritor brasileiro de todos os tempos.
A
glória que eleva, honra e consola, talvez seja a melhor tradução da trajetória
da vida e da obra de Machado de Assis. Mulato e pobre, ele foi um “autodidata”
que superou os maiores obstáculos e se tornou um exemplo a ser seguido. Exerceu
várias profissões e sua obra de ficcionista se divide numa fase romântica e
principalmente numa fase realista. Talvez seus romances reflitam melhor, à luz
da produção literária, seu ofício de escritor, mas seus contos são considerados
pequenas obras-primas da arte literária. Dentre seus contos, A Cartomante ocupa
um lugar de destaque, pela temática e desenrolar da trama. A teia que envolve
as relações de um triângulo amoroso e seus desdobramentos, já é por si só,
apaixonante. Mas o desfecho, poder-se-ia defini-lo como a quintessência da obra
machadiana.